Em Março de 2005, três sócios cheios de vontade de criar em Viseu um espaço alternativo à clássica livraria meteram as mãos na "massa" e abriram ao público a livraria.
Ela acabaria por ser um sucesso cultural e um fracasso financeiro.
Fernando Figueiredo, um dos sócios da Livraria da Praça, situada no coração do centro histórico de Viseu, conta à Lusa que a ideia, no início, se revelou acertada e as coisas, "de página em página", estavam a ter uma "leitura" favorável.
"Mais de mil pessoas mostraram interesse em conhecer as actividades do espaço, em saber das novidades, em passar pela casa quando os autores e outros convidados aceitavam discutir com eles os mais variados assuntos", regista Figueiredo.
Simplesmente, ao mesmo tempo que as tertúlias se mostravam um sucesso, com elevada participação e mobilidade de temas e de gostos, as estantes iam ficando intactas e a caixa registadora pouco tilintava ao final do dia.
"Bastava que cada uma das pessoas que deixou o seu contacto e se mostrou interessada em receber os nossos mails - cerca de mil - comprasse um livro de dois em dois meses para que, agora, não fossemos obrigados a fechar as portas de forma inglória e com tanta mágoa como angústia", lamenta Fernando Figueiredo.
Faltou a fortuna que seria de esperar pelo facto de se tratar de algo novo na cidade. Nem mesmo a simbólica ironia proporcionada por o nome de uma das sócias, Benedita Furtado, ter sido metamorfoseado para Benvinda Fortuna por um jornal, foi suficiente para que os deuses da Cultura se pusessem ao lado da Livraria da Praça.
As referências de estilo para a Livraria da Praça eram espaços como a Ler Devagar, em Lisboa, ou Navio de Espelhos, em Aveiro, a Fonte de Letras, em Montemor-o-Novo, ou ainda a Centésima Página, de Braga.
Nos dois anos que o projecto aguentou, a Livraria da Praça organizou mais de 160 iniciativas, com nomes como, por exemplo, Pacheco Pereira, Jorge Silva Melo, Alexandre Quintanilha, Nuno Crato ou Richard Zimmler. As pessoas compareciam às dezenas a estes encontros.
"Mas é assim - recorda Fernando Figueiredo -, as pessoas acorriam às iniciativas mas os livros não saíam. As tertúlias eram diversificadas nos temas e por ali passaram pessoas com as mais diversas tendências e origens, mas nem assim o dia-a-dia permitia notar na caixa este sucesso de afluência".
A convicção que existe, ainda agora, "mesmo depois de morrer com a praia à vista", é que "bastava - explica Figueiredo - que as editoras tivessem um pouco mais de atenção para com as necessidades e particularidades das pequenas livrarias, que o fisco percebesse que a capacidade de resposta dos pequenos espaços é também pequena, para que o destino da Livraria da Praça fosse outro".
Em "bom rigor", quem "matou" este espaço, adianta, foram os clientes, mas "não menos verdade" é que a perspectiva de abertura para breve de uma FNAC em Viseu, "que é uma certeza", deitou por terra quaisquer hipóteses de "esbracejar mais" para tentar "chegar à praia", porque não havia possibilidade de "concorrer com outro gigante".
"Mas o que nos aconteceu - pondera - é também mau para as editoras e para a literatura em Portugal, porque, quando as editoras têm tantas atenções para os grandes espaços comerciais de livros e ignoram as exigências dos pequenos, mais tarde ou mais cedo só vão estar a vender grandes sucessos, porque vão deixar de ter quem lhes compre as edições menos vistosas e de autores menos capa de revista".
O que a Livraria da Praça queria "era algo simples" como as editoras deixarem livros à consignação, "como fazem com os grandes espaços", aceitarem pagamentos "mais alargados no tempo", porque "isso era essencial" para os pequenos. Mas - adverte - "vai também ser mau para as editoras mais cedo ou mais tarde".
"Um exemplo claro de que as editoras ainda não entenderam a mais-valia dos pequenos espaços é que nestes podem escoar fundos de catálogo que as grandes livrarias e superfícies comerciais nem querem ver por perto", argumenta.
Para Fernando Figueiredo, o seu projecto "morreu" não por falta de vontade de lhe dar continuidade "mesmo correndo mais riscos", apesar de nestes dois anos terem tido os três sócios um prejuízo superior a 60 mil euros, mas sim porque "o país sofre de um problema estrutural" que não se resolve com "choques tecnológicos", mas sim com "um eficaz choque de mentalidades".
"Nunca procuramos a subsídio-dependência mas também era de esperar mais apoio na divulgação de um espaço com estas características por parte de organismos como uma autarquia, o que nunca houve", lamenta de novo.
Com o encerramento do projecto Livraria da Praça, Viseu perdeu um dos mais inovadores projectos culturais, apesar de os proprietários não esconderem que a "ideia era, se não ganhar, pelo menos não perder dinheiro".
Ficou, no entanto, uma certeza na "estante" de Fernando Figueiredo: "Portugal é um país que não lê, mas, com a afluência que tiveram as iniciativas realizadas nos dois anos de vida da livraria, é permitido pensar que as coisas podem mudar com projectos como este e outros".
"Pode ainda ser - pondera a concluir - que tenhamos tido azar e a crise económica seja, afinal, a responsável pelo epílogo desta história que já não vai ter continuação ou sequelas. Mas pode ser uma referência para outro projecto que o futuro confirmará ou não".
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